segunda-feira, 28 de abril de 2008

Gato-selvagem ameaçado por cruzamento de raças


A população do nosso último felino selvagem decresce...
É parente do lince, quase desaparecido da fauna portuguesa, mas não tem a mesma visibilidade nem as mesmas defesas. E, no entanto, carece de urgente protecção para suster o seu ancestral grau de pureza. O gato-selvagem, predador astuto, ainda não atingiu o "vértice de extinção", mas está ameaçado. Um dos seus inesperados inimigos é um remoto irmão - o gato doméstico.
Dois jovens investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO), da Universidade do Porto, seguem, há cinco anos, o rasto do felino selvagem, numa perspectiva ecológica e genética, em território português. Os primeiros resultados inquietam. O solitário Felis silvestris "não chegou ainda ao ponto do lince, mas segue-lhe as pegadas".
A população do último felino selvagem em Portugal, seguindo a linha trágica de outras espécies, decresce ao longo dos anos. Por causa da degradação do seu habitat, da abertura de novas estradas, dos caçadores sem escrúpulos, aponta Pedro Monterroso, um do investigadores do CIBIO. Por causa, também, da escassez de coelho-bravo, principal presa deste predador, que caça pelo crepúsculo ou de noite, zeloso do seu território. E as ameaças não se esgotam aqui.
O estudo dos jovens investigadores integra um projecto inédito de identificação genética. O gato-bravo, em termos genéticos, é muito próximo do gato que vive nas nossas casas. Mas há diferenças. Essa parte do estudo cabe a Rita Oliveira. E aqui surgem dados novos e preocupantes. Felinos selvagens puros, em Portugal, garante a investigadora, existem. No entanto, alguns são animais híbridos, fruto do cruzamento Felis silvestris com o gato doméstico.
Iniciado em 2003, o trabalho de Rita Oliveira permitiu já identificar vários marcadores moleculares que facilitam a distinção entre felinos selvagens e domésticos apenas através de amostras. Nos 28 gatos-selvagens analisados, a investigadora descobriu quatro animais híbridos.
Estes casos de hibridação foram detectados em felinos recolhidos no Norte, Centro e Sul de Portugal, o que torna mais grave a situação. A extensão da ameaça - que na Escócia levou à extinção do gato-selvagem - é desconhecida, porque os estudos sobre o último felino selvagem são escassos.
O gato-bravo, refere Pedro Monterroso, "não é uma espécie mediática, como o lince-ibérico". Por isso mesmo, "ninguém sabe qual a sua distribuição real no território português". Sabe-se, no entanto, que esta espécie protegida pelo Livro Vermelho dos Vertebrados em Portugal, onde surge como vulnerável, viu a sua população diminuir 30%num período de dez anos.
Os investigadores, que apresentam em breve como tese de doutoramento esta investigação, pretendem alargar o estudo, que incidiu na área do Parque Natural do Vale do Guadiana, no baixo Alentejo.
O objectivo é saber quantos felinos existem em Portugal e qual a sua distribuição real. É um trabalho a nível nacional, ainda à procura de financiadores, da responsabilidade do CIBIO. O projecto terá como base os marcadores genéticos desenvolvidos por Rita Oliveira, e deverá envolver diversas instituições interessadas na preservação da espécie.
Mas, afinal, como se distingue o gato-bravo do gato-europeu (o irmão mais próximo entre os gatos domésticos)? Na cauda, entre outros pormenores, encontra-se a maior diferença. A do gato-selvagem tem uma extremidade grossa, arredondada e com uma mancha negra; os ronronantes bichanos que se passeiam por nossas casas apresentam cauda pontiaguda e não caçam coelhos-bravos.

Fonte: Francisco Mangas, in Diário de Notícias, 27 de Abril de 2008

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