quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O Montado de Sobro e os seus produtos

Convidamo-lo a conhecer alguns dos episódios mais curiosos e interessantes da história do nosso Montado de Sobro. Sabe onde é que foram produzidas as primeiras rolhas? E que uso davam os fenícios à cortiça? Leia e surpreenda-se!
O Montado é um sistema extremamente curioso. No nosso País, é cada vez mais conhecida e reconhecida a sua grande importância ecológica, económica e social. A cortiça, seu principal e mais conhecido produto é um recurso natural renovável, cuja exploração sustenta um ecossistema com uma considerável riqueza e diversidade de espécies de fauna e flora.
É interessante tentar perceber a razão pela qual sobreiro Quercus suber quase se restringe à área das bacias miocénicas do Tejo e Sado. Pensa-se que a sua área de distribuição seria mais alargada em tempos antigos. A origem do seu uso está ainda enevoada nos anais da História. Sabe-se que os fenícios utilizavam-na como utensílio de pesca - bóias. Foi também bastante usada pelos romanos que a chamavam de suber. Encontra-se aí a origem da sua denominação científica em latim. No nosso País, são conhecidas medidas de protecção do sobreiro como a proibição e punição de práticas como as queimadas, o varejamento indiscriminado do fruto, da colheita abundante de rama verde para alimentação do gado e os cortes indevidos.
A transformação industrial da cortiça a uma escala já considerável tem início há aproximadamente 100-150 anos. No princípio do século XIX, é na Catalunha, devido à sua relação com a região de Champanhe, que se dão os primeiros passos na produção de rolhas. Um dos seus factores desencadeantes foi o facto de D. Pierre Pérignon, mestre dispenseiro da abadia de Hautvillers, ter adoptado a cortiça como vedante das garrafas desse vinho espumoso substituindo as lascas de madeira forradas a cânhamo e embebidas em azeite. No entanto, sabe-se pelos levantamentos (inventários) das produções espanholas que, em 1875, não existia esta produção em Cáceres.
De uma forma um tanto ou quanto redutora mas realista, pode-se dizer que o sobreiro acabou por desaparecer onde as necessidades humanas de alimento se fizeram sentir antes de se iniciar a sua exploração. Ele manteve-se em zonas onde o valor agrícola aparece posteriormente ao da cortiça e madeira das congéneres arbóreas. Sabe-se, por exemplo, que para cada nau construída, utilizavam-se cerca de 5 ha de sobreiros. É evidente que esta estimativa omite o porte das árvores e a densidade do povoamento onde se encontravam. É, no entanto, interessante conhecer esta utilização adicional e dá nos uma indicação do papel relevante que desempenhou na expansão marítima portuguesa. A azinheira era usualmente preterida a favor do sobreiro por a sua madeira ser de mais difícil manuseamento para os carpinteiros e marceneiros.
A cortiça tem a curiosidade adicional de ter mantido o seu valor ao longo deste século. A intervenção humana como factor produtivo é muito superior ao que a maior parte das pessoas pensam. O montado, contrariando a comum ideia idílica de área natural, é um sistema artificial e antropomórfico, partilhando esta característica com, por exemplo, as vinhas do Douro. Sem esta constante intervenção humana, grande parte dos sobreiros teriam um porte arbustivo e existiriam apenas sobreirais e não montados.
Um momento histórico que, com as suas conhecidas vicissitudes, acabou por ter um efeito positivo no alargamento da área de montado foi a campanha do trigo. Ela foi a responsável pela instalação da maior mancha de sobro portuguesa. À medida que as terras iam sendo arroteadas, os agricultores iam largando e enterrando, em intervalos espaciais mais ou menos regulares, uma bolota. A área de ocupação do sobreiro cresceu desde os 300 000 ha no início deste século até aos cerca de 720 000 hectares que ocupava em 1995. É interessante referir que esta área representa 7.8% da área total de Portugal continental.
Durante a Segunda Guerra Mundial, foi instalado nos Estados Unidos da América (EUA), no estado da Califórnia um povoamento de sobreiros. Estes produzem cortiça de baixa qualidade. Durante este conflito, particularmente na sua fase inicial onde tudo parecia favorável para o lado das forças do eixo, os EUA não sabiam bem que partido Portugal tomaria. Resolveram assim garantir para eles uma reserva de cortiça. Isto pelas vantagens tecnológicas que possui - elevada elasticidade, compressibilidade, imputrescibilidade, capacidade de isolamento, baixa densidade e fraca permeabilidade. Ela é o único produto que pode ser comprimido milhões de vezes e retomar a forma original, característica muito importante e necessária para alguns componentes de alta tecnologia para fins bélicos ou civis.

Nuno Cruz António
In http://naturlink.sapo.pt/article.aspx?menuid=3&cid=3251&bl=1&viewall=true#Go_1

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