sábado, 22 de novembro de 2014

O bichinho das obras


Ninho de pássaro. Não é por acaso que o extraordinário Estádio Nacional de Pequim é assim conhecido. A armação de aço que reveste a fachada recorda, inevitavelmente, uma dessas construções. De facto, os arquitetos suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron inspiraram-se na forma como certas aves dispõem os materiais com que constroem os seus lares para conferirem à instalação desportiva uma resistência excecional. No fundo, esse exercício de biomimética é mais um exemplo da aptidão inata que alguns animais manifestam: a capacidade de erguer estruturas utilizadas para fins muito diversos.
“Habituámo-nos a pensar que os seres humanos são os maiores construtores do mundo. No entanto, as maiores obras criadas no planeta não nos pertencem. Do espaço, para além da cobertura vegetal e da poluição ambiental, o único indício da existência de vida na Terra é proporcionado pelos recifes de coral, que se veem a olho nu a uma distância de milhares de quilómetros”, explica James L. Gould, professor de ecologia na Universidade 
de Princeton (Estados Unidos), em Animal Architects – Building and the Evolution of In­telli­gence. Este especialista em biologia evolutiva recorre a outro exemplo para sublinhar a surpreendente complexidade e o tamanho que podem alcançar as construções feitas por algumas espécies. “As térmitas só têm alguns milímetros de comprimento, mas conseguem erguer torres com mais de sete metros de altura. À escala humana, seria o equivalente a construir manualmente um arranha-céus de quatro quilómetros de altura.” Além disso, um estudo recente do Laboratório de Ecologia de Insetos da Universidade de Quioto (Japão) revelou que as térmitas nunca erguem duas torres iguais, embora a espécie seja a mesma. As formigas exibem, assim, uma espantosa capacidade construtiva.



Engenheiras de nascença

Grão a grão, escavando com as suas mandíbulas numa escuridão total, estes insetos conseguem criar galerias e cavidades subterrâneas com diferentes funções (no ano 2000, por exemplo, foi descoberta uma gigantesca colónia formada por milhões de ninhos e milhares de milhões de formigas argentinas que se estendia de Portugal ao norte de Itália). Segundo Walter Tschinkel, que sempre trabalhou no Departamento de Ciência Biológica da Universidade do Estado da Florida, existe uma relação entre a profundidade a que se encontram as câmaras e o seu tamanho. Há quase uma década, este mirmecólogo revelou no Journal of Insect Scienceque as divisões são maiores na parte superior do ninho, mas as dimensões diminuem nos níveis inferiores. Embora não se saiba ao certo como as formigas determinam a sua posição relativamente à superfície, Tschinkel suspeita que elas se apercebem, de algum modo, da concentração de dióxido de carbono presente no solo, o qual aumenta com a profundidade. Assim, enquanto as operárias adultas, que habitam as zonas altas, tendem a escavar complexos maiores, os exemplares jovens que frequentam o fundo do formigueiro constroem redes menos extensas.
Não são os únicos himenópteros que sabem erguer boas casas. Os favos das abelhas melíferas, utilizados como zonas de criação e para armazenar o pólen e o mel, estão organizados em células de cera em forma de prisma hexagonal que encaixam perfeitamente umas nas outras. Por que terão escolhido essa forma e não outra, como, por exemplo, o cilindro? O problema, que intrigou os cientistas durante séculos, ficou resolvido em 1998, quando o matemático norte-americano Thomas Hales, da Universidade de Pittsburgh, demonstrou que o hexágono é a figura geométrica que melhor cobre um plano sem deixar espaços quando é estruturado de modo reticular, isto é, ligado a outros. Isso permite às abelhas, essencialmente, otimizar a estabilidade da estrutura, assim como a quantidade de mel que podem armazenar utilizando a menor quantidade de cera.



As vespas sociais também preferem esse tipo de organização, embora as suas colmeias exibam uma forma diferente e sejam feitas de uma pasta semelhante ao papel, que a rainha fabrica com a própria saliva e fibras de celulose. Depois, protege o conjunto com um revestimento do mesmo material. Em meados do ano passado, foi descoberto (e destruído) na Florida um dos maiores ninhos conhecidos até agora, com cerca de 2,5 metros de largura e capacidade para alojar perto de um milhão de indivíduos.

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